Foram identificadas alterações cromossômicas no material analisado dos trabalhadores
Limoeiro do Norte.
O uso indiscriminado de agrotóxicos no Ceará traz mais um novo episódio
sobre os riscos à saúde, tendo como foco a atividade na região
jaguaribana. Especialistas do Centro de Hematologia da Universidade
Federal do Ceará (UFC) realizaram coleta de medula óssea de
trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos para identificar as chances
de "adquirir" câncer. De nove análises completas, em seis foram
identificadas alterações cromossômicas.
O veneno que fica no ar, no solo, na água e no próprio trabalhador é uma questão que vem dividindo opiniões
Representa
seis trabalhadores com reais chances de terem algum câncer num tempo
breve se continuarem trabalhando com exposição de agrotóxicos. Os
trabalhadores atuam em grandes fazendas fruticultoras da Chapada do
Apodi, no Município de Limoeiro do Norte.
A pesquisa se soma a
outra também realizada pela UFC em Limoeiro, além de diversas feitas em
todo o País, que relacionam os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e
no meio ambiente. Tudo está em um dossiê da Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (Abrasco), em Brasília.
Produção
Na
medida em que aumenta sua escala, a produção agrícola no Brasil tem
gerado uma série de discussões sobre os impactos que podem causar ao
homem. Embora combatendo pragas que atingem a lavoura, o agrotóxico gera
danos por duas principais vias: pelo alimento com resíduos de veneno ou
ao trabalhador pela exposição a esses produtos.
Na Chapada do
Apodi, em Limoeiro do Norte, é a contaminação ao homem e ao meio
ambiente a principal discussão envolvendo a aplicabilidade do
agrotóxico. A maior parte das frutas produzidas destina-se à exportação,
seguindo o "padrão de qualidade" dos exigentes mercados europeus e
norte-americano. Mas, é o veneno que fica no solo, no ar, na água e no
homem trabalhador o grande e delicado problema que tomou maiores
contornos colocando de lados opostos fruticultores, especialistas e
ambientalistas.
A problemática na Chapada do Apodi, já levantada
em série de reportagens no Diário do Nordeste, ganhou mais uma
repercussão nacional após reportagem especial no programa Globo Rural,
da TV Globo. A matéria relacionou pesquisas anteriores envolvendo
contaminação da água e do solo na região jaguaribana e a morte do líder
comunitário José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé, executado sumariamente
em abril de 2010. Ele denunciava o abuso de agrotóxicos e a
concentração fundiária. O trabalhador rural Valter de Freitas Tavares,
de 55 anos, atuou por dois anos e seis meses no setor de adubação de
agrotóxicos de uma empresa multinacional. Ao lado do colega de trabalho
Luis Gonzaga de Sousa, de 49 anos, tem o laudo mais preocupante,
conforme análise dos especialistas do serviço de hematologia da
Universidade Federal do Ceará.
Alterações
Após
a coleta de amostra da medula óssea, verificou-se que ambos
apresentavam alterações cromossômicas, o que implica em grandes chances
de manifestaram doenças graves num prazo de até dois anos. "O que
identificamos é como se fosse o primeiro passo para se chegar ao câncer.
Por isso, eles precisam ser transferidos de setor imediatamente",
salienta o médico Luis Ivando, sobre a pesquisa que faz parte de sua
tese de mestrado em Medicina.
Fac-símile das diversas reportagens que o Diário do Nordeste publicou sobre a contaminação dos agrotóxicos em trabalhadores
Porém,
a pesquisa tomou dimensões maiores, dada a relevância dos resultados. A
equipe permanente é numerosa e inclui desde alunos em iniciação
científica a especialistas em doenças relacionadas ao sangue.
Foram
realizadas 55 coletas de medula óssea, sendo nove analisadas. Destas,
seis indicaram positividade para alterações cromossômicas. Os
cromossomos em cadeia formam DNA humano, reunindo as principais
informações de cada indivíduo.
Quando estava em mãos com os
primeiros resultados, o médico-pesquisador Luis Ivando passou a prestar
assistência a Walter Freitas, Luis Gonzaga e outros trabalhadores rurais
da Chapada do Apodi que apresentaram situação grave. Eles estão todos
sendo acompanhados em ambulatório no Hemoce.
Tratamento
Agora,
Valter vai periodicamente a Fortaleza para acompanhar sua situação
quanto à alteração causada em sem corpo por conta da exposição ao
veneno, mesmo ele usando Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). "Se
protegesse eu não estaria assim", lamenta o trabalhador, que recebeu
com muito pesar a informação de que está entre os laudos mais críticos.
Passa
até mesmo por acompanhamento psicológico. Pediu na empresa para mudar
para outro setor, que não aplicação de veneno, mas só conseguiu após um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da empresa com o Ministério
Público. Dentre as demandas atendidas, a transferência de setor do
trabalhador.
Medula
6 das nove amostras
recolhidas de medula óssea de trabalhadores rurais expostos a
agrotóxicos foram identificadas com chances de "adquirir" câncer
Mais informações:
Departamento de Patologia e Medicina Legal da UFC
Rua Monsenhor Furtado, S/N Rodolfo Teófilo - Fortaleza
(85) 3366.8300 / 3366.8301
Municípios têm 38% mais casos da doença
Limoeiro do Norte.
Os trabalhadores analisados apresentaram alterações cromossômicas em
uma de 20 células analisadas. Não estão, portanto, com a doença, mas a
caminho de manifestá-la se continuarem com exposições ao veneno. Esse
estudo científico dos médicos hematologistas, Ronald Pinheiro e Luis
Ivando, é o mais recente envolvendo o impacto dos agrotóxicos na saúde
humana.
Valter
Tavares é um dos que teve a medula analisada e que ficou constatado que
ele pode, em pouco tempo, apresentar a doença FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR
Ao
pesquisar um segmento de Municípios da região jaguaribana e relacionar
os que têm produção agrícola em grande escala (com aplicação de
agrotóxicos), e os que não ressaltam essa atividade, verificou-se que os
três com maior atividade agrícola (Limoeiro, Russas e Quixeré)
registram 38% mais casos de câncer, segundo registrou a Universidade
Federal do Ceará (UFC).
Antes, levantamento do Núcleo Trabalho,
Saúde e Meio Ambiente para a Sustentabilidade, do departamento de Saúde
Comunitária da UFC, diagnosticou, em 545 pessoas examinadas, que 97%
tiveram contato com agrotóxicos e 30% desses trabalhadores apresentaram
sintomas de intoxicação. A medula óssea é um tecido gelatinoso
encontrado dentro do osso. No popular, é o "tutano", como o que se
encontra na "ossada" de boi, típico da culinária nordestina.
Seu
exame é o que tem ajudado a relacionar os impactos que os venenos podem
causar no homem. Importante que nem todos os agricultores pesquisados
trabalham diretamente na aplicação de veneno. Valter fazia, até dois
meses atrás, a adubação em áreas onde, horas antes, se aplicava
agrotóxicos. Mesmo assim, apresentou situação que denota exposição ao
veneno.
De acordo com o médico hematologista Ronald Pinheiro, as
alterações cromossômicas verificadas nos trabalhadores costumam ser
encontradas em casos de leucemia mieloide aguda. "A gente tem
identificado lesões muito precoces nos cromossomos", afirma o médico
Luis Ivando. Os especialistas do serviço de hematologia da UFC, em
parceria com o Hemoce e tendo entre os financiadores o CNPq, esperam
concluir as análises das 55 amostras de medula óssea até dezembro deste
ano.
O uso de agrotóxicos em larga escala na forma de coquetéis,
bem como a pulverização aérea, são atividades que geram polêmica na
região jaguaribana, mais forte ainda com o assassinato do líder
comunitário José Maria filho, em 2010, sendo ele um símbolo do combate à
pulverização. Produtores de frutas criticam a relação que se faz entre
aplicação de agrotóxico e as intoxicações, já que seriam tomados
cuidados quanto à exposição, a exemplo dos Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs).
O Brasil é o maior consumidor mundial de
agrotóxicos. Aqui são utilizados 14 desses venenos que são proibidos em
outras partes do mundo por serem suspeitos de causar danos neurológicos,
bem como câncer.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco) reuniu dossiê com pesquisas em várias regiões do País
relacionando os efeitos dos agrotóxicos na saúde e meio ambiente.
Segundo a Associação, pelo menos 30% dos alimentos que o brasileiro
consome têm agrotóxico acima do permitido ou que não deveriam ser
consumidos.
A reportagem tentou contato com a Câmara Setorial de
Fruticultura, que reúne entidades públicas e produtores do agronegócio
na região para comentar a relação da pesquisa dos hematologistas com a
exposição aos agrotóxicos, mas não obteve retorno. Foi tentado contato
com o presidente do órgão, João Teixeira Júnior, mas não foi conseguido
atendimento.
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